Político gaúcho reclama de propina parcelada em 30 vezes

Gravações de áudio entregues pelo médico Cássio Souto dos Santos à Procuradoria-Geral da República (PGR) revelam supostas negociações sobre pagamentos irregulares envolvendo o ex-prefeito de Canoas, Luiz Carlos Busato (União Brasil). Os áudios foram gravados pelo próprio delator durante encontros com Busato e expõem discussões sobre atrasos e o parcelamento de valores relacionados ao esquema de desvio de verbas da saúde no município. As informações foram divulgadas em reportagem do UOL.

Nos diálogos, Busato aparece reclamando do que seria uma proposta de parcelar os pagamentos atrasados em 30 meses. "Cássio se comprometeu a, de agora em diante, pagar o do mês, não vai deixar atrasar o do mês, senão esse troço vira uma bola de neve (...) e propôs pagar em 30 parcelas, em 30 meses. 30 meses não tem como, Cássio," afirma o ex-prefeito.

Operação contra desvios na saúde

O caso teve início em 2018, quando o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) apontou irregularidades em contratos de saúde firmados entre a prefeitura de Canoas e o GAMP (Grupo de Apoio à Medicina Preventiva). A organização recebia mais de R$ 10 milhões por mês para administrar serviços médicos, além de compra de medicamentos e equipamentos. Naquele mesmo ano, três pessoas ligadas ao GAMP, incluindo Cássio Souto dos Santos, foram presas preventivamente sob suspeitas de peculato e lavagem de dinheiro, resultando em um prejuízo estimado em R$ 22,8 milhões aos cofres públicos.

A investigação posteriormente passou ao Ministério Público Federal (MPF) devido ao envolvimento de verbas federais, e Cássio decidiu colaborar com as autoridades por meio de um acordo de delação premiada homologado em 2022 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em sua colaboração, ele entregou áudios que detalham as negociações de propinas, as quais envolvem também outros nomes do cenário político gaúcho.

Negociações e pressões

Nos áudios, Busato insiste que os pagamentos devem ser feitos de forma pontual. "Isso é religioso. Não vai mais ter problema daqui pra frente, ok? Seja 700, 800, é o do mês. Depende do quanto entrar. 15 dias após fechar o mês. Combinado é combinado," diz ele em uma das gravações. O ex-prefeito ainda menciona a necessidade de cumprir acordos, independentemente de operações policiais em andamento: "O que me interessa é o nosso acordo (...) não podemos ficar indefinidamente na esperança de 'ah, agora tem a Polícia Federal, tem, não sei o que que vai acontecer (...)'."

Pressões para contratar empresa ligada a político

De acordo com a delação, Busato teria pressionado o GAMP a contratar a P&B Engenharia, empresa de Gustavo Peixoto, filho do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), Marcos Peixoto. O contrato de R$ 1,8 milhão, fechado em 2017, também é mencionado nos áudios e fez parte das investigações que levaram à abertura de 46 inquéritos pela PGR. Desses, 17 já se transformaram em ações penais.

Os promotores apontam que, conforme a colaboração de Cássio, havia uma taxa de propina de 3,5% sobre os contratos firmados pelo GAMP. Metade desse valor seria destinado ao então prefeito, enquanto o restante seria dividido entre o chefe de gabinete de Busato, Germano Dalla Valentina, e outros funcionários da administração.

Defesa e repercussões

Procurado, Luiz Carlos Busato negou as acusações e questionou a autenticidade das gravações. "Desconheço o assunto mencionado e nunca fui notificado sobre o tema em questão. Além disso, reitero que os áudios que estão circulando não são verdadeiros," declarou.

Germano Dalla Valentina, através de seu advogado, também negou envolvimento em qualquer esquema ilícito. "Sempre atuou na gestão pública com respeito à legalidade," afirmou o advogado, ressaltando que as acusações são "totalmente descabidas."

Os conselheiros do TCE-RS mencionados nos áudios, Marcos Peixoto e Alexandre Postal, não responderam aos questionamentos da reportagem.

Gravidade das acusações

A delação de Cássio traz detalhes que vão além das negociações com o GAMP, envolvendo até orientações para que os valores das propinas fossem entregues por meio de contratos fictícios e terceiros para dificultar a rastreabilidade. Em um dos diálogos mais explícitos, Busato sugere que, se necessário, o dinheiro fosse transportado por avião para evitar o cerco de investigações. "O que me interessa é o nosso acordo (...) se nós já fizemos um esforço de aumentar de 16,5 (milhões) para 21 (milhões)," reiterou Busato, segundo o delator.

O caso continua a ser investigado e já se tornou um dos maiores esquemas de corrupção envolvendo a área de saúde pública no Rio Grande do Sul. As investigações ainda miram outros políticos e empresários que teriam se beneficiado do esquema, enquanto o cenário eleitoral em Canoas segue impactado pelas revelações. Rodrigo Busato, filho do ex-prefeito, disputa o cargo de vice-prefeito na atual eleição, e o desfecho das investigações pode ter consequências significativas para o futuro político da cidade.

Comentários