Política
Aborto volta à pauta na véspera da eleição Publicada: 29/10/2010 07:08| Atualizada: 29/10/2010 07:06

Romulo Faro e Agências

O papa Bento XVI condenou ontem, em reunião em Roma, o aborto e clamou para que um grupo de bispos brasileiros oriente politicamente fiéis católicos, sem mencionar diretamente as eleições que acontecem no próximo domingo. “Os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas.” O papa reiterou a posição católica a respeito do aborto, condenando o uso de projetos políticos que defendam aberta ou veladamente sua descriminalização.
Segundo ele, a democracia só existe quando “reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana”. Bento XVI fez um “vivo apelo a favor da educação religiosa” nas escolas públicas e pediu ainda pela presença de símbolos religiosos em locais públicos. O Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, é citado como um exemplo de monumento que contribuiu para o “enriquecimento da cultura, ao crescimento econômico e ao espírito de solidariedade e liberdade”.
O aborto ganhou espaço na mídia e na boca dos candidatos a presidente Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) no final do primeiro turno, impulsionados pela movimentação de igrejas evangélicas e segmentos católicos que pregavam voto anti-Dilma e pró-vida — a petista já defendeu a prática.
Após a polêmica, a candidata do PT se comprometeu a distribuir uma carta em templos e igrejas, repetindo declarações feitas ao longo da campanha, como ser “pessoalmente contra o aborto”, não encaminhar nenhuma legislação referente ao tema ao Congresso e defender a “manutenção da legislação atual sobre o assunto”, que só permite a prática em casos de estupro e risco de morte para a mãe.

Cardeal nega interferência

Em coletiva à imprensa ontem, na Igreja São Judas Tadeu, na Baixa de Quintas, em Salvador, o arcebispo primaz do Brasil, Dom Geraldo Majella, negou que o Papa Bento XVI tenha reunido bispos brasileiros no Vaticano ontem para interferir no segundo turno das eleições brasileiras acerca da discussão da legalidade do aborto feita pelos candidatos. “Recebi não como fato inusitado. Foi o momento que ele considerou que era apto fazer isso.
Somos 16 regionais da CNBB e para cada regional o papa faz uma locução. Ele leva em consideração todos os relatórios que as dioceses mandam para ele e escolhe um tema”, explicou o cardeal.
Para a regional da Bahia, o papa escolheu o tema ecumenismo (tendência para a união de todas as igrejas cristãs numa só), o que, segundo Majella, não quer dizer que o tema é um problema local. “Ele escolheu aqui para focalizar com mais profundidade. Para a região Maranhão (que representa o Nordeste), ele escolheu a defesa da vida, que é uma obrigação da igreja, dos bispos e de todo os cristãos defender a vida”, disse o religioso.
Questionado se a mensagem do papa não seria uma orientação para que os católicos não votem em candidatos que apoiam o aborto, Majella também negou. “Isso se aplica a hoje também, mas não que ele tenha premeditado. Ele falaria sobre o tema independente da época de eleição. Eu gostei, achei boa a intervenção dele, é muito clara. É nossa prerrogativa ajudar os nossos fiéis a se formarem bem politicamente”.
O cardeal admitiu, contudo, que “de vez em quando”, nas celebrações se diz: “‘Olha, cuidado. Votem bem’. Mas não que nós, bispos, digamos: ‘Tais pessoas estão prescritas’. Nós damos as qualidades de cada um dos candidatos, mas não dizemos: ‘esses são a favor das nossas ideias, outros são contrários’. Nós procuramos orientar para que seja um voto consciente e responsável”.
O religioso criticou o comportamento político brasileiro em geral e disse ver com estranheza as questões religiosas serem debatidas em momento oportuno. “É interessante como um estado que se diz laico vê que, na hora de votar, o tema religioso não pode ser alheio a ninguém. Se eles (os candidatos) consideram que a maioria do povo é pela vida, eles vão defendê-la”.
A polêmica começou quando o tucano José Serra (PSDB) passou a atacar a adversária Dilma Rousseff (PT) dizendo que ela pretende legalizar o aborto caso seja eleita. A petista, que no início chegou a cogitar a possibilidade, mudou o discurso e passou a dizer que é contra a prática.

Dilma nega danos ao pleito

A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, disse ontem não acreditar que a recomendação do papa Bento XVI para que a Igreja Católica oriente politicamente seus fiéis no Brasil prejudique sua campanha. Dilma afirmou que não vê nenhum constrangimento na declaração do papa que, em conversa com bispos brasileiros em Roma, também se posicionou contra o aborto. Para a petista, a manifestação do santo pontífice precisa ser respeitada.
“Eu acho que é a posição do papa e tem que ser respeitada. Encaro que ele tem o direito de manifestar o que ele pensa. É a crença dele e ele está recomendando uma orientação”, disse.
Alvo de uma campanha no primeiro turno em igrejas e templos religiosos de que defenderia o aborto, Dilma negou que exista relação entre esses rumores contra ela e a manifestação do papa. “Vamos separar as questões. Eu não acho que o papa tem nada a ver com isso.
No Brasil, ocorreu outra coisa: uma campanha que não veio à luz do dia, quem fez a campanha não se identificou, não mostrou sua cara. Foi uma campanha de difamações, calúnias e algumas feitas ao arrepio da lei porque a lei proíbe que isso ocorra. Ele veio a público e falou a posição dele”, afirmou.

Dilma disse que sempre reclamou do jogo feito no submundo da política. “Nós somos contra essa conversa que vem por baixo do pano, tenta fazer um jogo que confunde tudo.
Eu cansei de repetir qual é a minha posição nessa questão do aborto. Eu pessoalmente sou contra o aborto”, disse. Antes de ser candidata, Dilma defendia abertamente a descriminalização da prática - o fez, por exemplo, em sabatina na Folha em 2007 e em entrevista em 2009, à revista “Marie Claire”.
Depois, ao longo da campanha, disse que pessoalmente era contra a proposta. Hoje, diz que repassará a discussão ao Congresso. A petista reafirmou que não pretende mudar a legislação vigente, que permite o aborto em caso de estupro e risco para a vida da mãe. Dilma voltou a falar, no entanto, que essa é uma questão de saúde pública.

Serra vai tentar capitalizar

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, disse ontem em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, que “é bom” o mundo ouvir a defesa da vida feita por intermédio do papa Bento XVI, “um guia espiritual muito importante”.
Serra se referia ao fato de Bento XVI ter condenado o aborto, em reunião em Roma, e ter apelado para que um grupo de bispos brasileiros orientem politicamente fiéis católicos. “O fato é que o líder espiritual mundial da Igreja Católica tem pleno direito de emitir as suas diretrizes e orientações para os católicos do mundo. Tem plena liberdade de fazê-lo, é um guia espiritual muito importante”, disse Serra.
Ele acrescentou: “E a defesa da vida é o que merece fazer parte das palavras do papa, além do que é previsível, além do que é bom para o mundo ouvir isso, a defesa da vida”.
Serra estava ontem novamente em campanha por Minas Gerais, ao lado dos senadores eleitos Aécio Neves (PSDB) e Itamar Franco (PPS) e do governador reeleito de Minas, Antonio Anastasia (PSDB). Ele participou em Uberlândia de carreata e teve encontros com lideranças políticas municipais e apoiadores do Triângulo Mineiro. O evento foi em um clube no centro da cidade e estava lotado. Depois, Serra caminhou pelas ruas do local.

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