ELEIÇÕES 2018: A PERGUNTAR QUE NÃO QUER CALAR

Se a maioria votar nulo, a eleição é cancelada e os candidatos, suspensos?
Por Lucas Borges Teixeira
Colaboração para o UOL, em São Paulo

Arte/UOL
A um ano das eleições de 2018, volta a circular pelo WhatsApp e pelas redes sociais uma antiga corrente. Ela traz um "aviso" de que, se mais da metade da população apta votar nulo, a eleição será cancelada e todos os candidatos participantes ficarão impedidos de se recadastrar.
Diz a mensagem: "Campanha vai e campanha vem, você se acha na obrigação de escolher uma dessas figuras (o tal do 'menos ruim') e com isso acaba afundando mais o nosso país! Você sabe como eliminar 90% dos políticos corruptos em uma única vez?".
A resposta, segundo a postagem, seria o voto nulo. Prossegue apontando que, "segundo a legislação brasileira, se a eleição tiver 51% de votos nulos, o pleito é ANULADO e novas eleições têm que ser convocadas imediatamente; e os candidatos não eleitos ficarão IMPOSSIBILITADOS DE CONCORRER NESSA NOVA ELEIÇÃO!!!".
"Acredita-se que menos de 1% da população saiba algo sobre isso. Ridículo a preservação da ignorância neste país...", escreve o autor desconhecido, acrescentando que "é disso que o Brasil precisa: um susto nessa gente! Esta campanha vale a pena! NULO neles!!!".




Trecho da mensagem compartilhada sobre boato com relação às eleiçõesI
Imagem: ReproduçãoReprodução

FALSO: Votar nulo não acarreta uma nova eleição

A afirmação, no entanto, é falsa. Mesmo que a maioria dos eleitores votem em branco ou nulo, não será convocado um novo pleito nem os candidatos serão impedidos de concorrer.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral). responsável por aplicar as regras eleitorais, esclarece que, com a adoção da urna eletrônica, na prática acontece a mesma coisa com os votos brancos e os nulos: nenhum deles é computado como válido. Ou seja, segundo o órgão, é "como se eles não existissem".
Os votos nulos são aqueles em que o eleitor digita e confirma um número inexistente na urna eletrônica. Já os votos brancos são aqueles em que o eleitor escolhe a opção “branco” na urna.
"É importante que o eleitor tenha consciência de que, votando nulo, não obterá nenhum efeito diferente da desconsideração de seu voto", afirma o tribunal em publicação oficial. "Isso mesmo: os votos nulos e brancos não entram no cômputo dos votos, servindo, quando muito, para fins de estatística."
Assim, mesmo que 90% dos eleitores numa cidade votem branco ou nulo para prefeito, o resultado da eleição será definido considerando apenas os 10% de votos de fato depositados em nome de algum dos candidatos.

Qual a origem dessa lenda?





Votos anulados são aqueles que eram válidos, mas foram posteriormente invalidados por decisão da Justiça
Imagem: FolhapressFolhapress
A provável origem deste boato é uma interpretação errada do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965). O artigo 224 diz que serão realizadas novas eleições “se a nulidade atingir mais de metade dos votos”. Acontece que o termo nulidade não se refere aos votos nulos, e sim aos votos válidos que sejam posteriormente anulados por decisão da Justiça Eleitoral.

A única maneira de cancelar uma eleição e impedir um candidato de concorrer nela é se for constatada uma fraude eleitoral. O TSE detalhou a questão em uma série chamada "Mitos Eleitorais", publicada em junho deste ano.
"A nulidade a que se refere o Código Eleitoral decorre da constatação de fraude nas eleições, como, por exemplo, eventual cassação de candidato eleito condenado por compra de votos", explica o órgão. "Nesse caso, se o candidato cassado obteve mais da metade dos votos, será necessária a realização de novas eleições, denominadas suplementares."
Embora a corrente de WhatsApp diga que os candidatos "não poderiam concorrer ao mesmo cargo político, pelo menos por mais quatro anos", isso só poderia acontecer com o postulante de que fosse comprovada fraude eleitoral e se ele tivesse seu mandato cassado pelo Poder Legislativo. O TSE explica que "de maneira nenhuma" esta medida se aplicaria a todos os candidatos de uma mesma eleição.

Falta de confiança nas instituições

Para o professor Antonio Lavareda, doutor em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, o desejo por novos candidatos e eleições tem como consequência uma "crise de confiança generalizada nas instituições brasileiras".
O quadro piora quando se fala do meio político. De acordo com o Datafolha, apenas 2% dos brasileiros confiam em partidos políticos. "Eles são os alvos mais enfatizados", afirma ele. "Embora a confiança em outras instituições, como o Judiciário, também não seja alta."
Pesquisador do comportamento eleitoral, Lavareda salienta que também há um exagero na imagem de que o brasileiro não queira mais participar das eleições. "Se o repúdio fosse tão grande assim, o último Ibope não mostraria a porcentagem de alienação eleitoral [votos em branco somados ao nulos] em, no máximo, 28%, que é a mesma taxa da eleição de 2014", afirma o especialista.

"Nós vemos atualmente uma descrença na forma como operamos a democracia, mas, no Brasil, ainda há uma nítida maioria que vê a democracia como a melhor forma de governo possível", conclui Lavareda.

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