Se a maioria votar nulo, a eleição é cancelada e os
candidatos, suspensos?
A um ano das eleições de 2018,
volta a circular pelo WhatsApp e pelas redes sociais uma antiga corrente.
Ela traz um "aviso" de que, se mais da metade da população apta votar
nulo, a eleição será cancelada e todos os candidatos participantes ficarão
impedidos de se recadastrar.
Diz a mensagem: "Campanha
vai e campanha vem, você se acha na obrigação de escolher uma dessas figuras (o
tal do 'menos ruim') e com isso acaba afundando mais o nosso país! Você
sabe como eliminar 90% dos políticos corruptos em uma única vez?".
A resposta, segundo a postagem,
seria o voto nulo. Prossegue apontando que, "segundo a legislação
brasileira, se a eleição tiver 51% de votos nulos, o pleito é ANULADO e novas
eleições têm que ser convocadas imediatamente; e os candidatos não eleitos
ficarão IMPOSSIBILITADOS DE CONCORRER NESSA NOVA ELEIÇÃO!!!".
"Acredita-se que menos de
1% da população saiba algo sobre isso. Ridículo a preservação da
ignorância neste país...", escreve o autor desconhecido, acrescentando que
"é disso que o Brasil precisa: um susto nessa gente! Esta campanha
vale a pena! NULO neles!!!".
FALSO: Votar nulo não acarreta uma nova
eleição
A
afirmação, no entanto, é falsa. Mesmo que a maioria dos eleitores
votem em branco ou nulo, não será convocado um novo pleito nem os
candidatos serão impedidos de concorrer.
O TSE (Tribunal Superior
Eleitoral). responsável por aplicar as regras eleitorais, esclarece que, com a
adoção da urna eletrônica, na prática acontece a mesma coisa com os votos
brancos e os nulos: nenhum deles é computado como válido. Ou seja, segundo o
órgão, é "como se eles não existissem".
Os
votos nulos são
aqueles em que o eleitor digita e confirma um número inexistente na urna
eletrônica. Já os votos brancos são
aqueles em que o eleitor escolhe a opção “branco” na urna.
"É
importante que o eleitor tenha consciência de que, votando nulo, não obterá
nenhum efeito diferente da desconsideração de seu voto", afirma o tribunal em publicação oficial.
"Isso mesmo: os votos nulos e brancos não entram no cômputo dos votos,
servindo, quando muito, para fins de estatística."
Assim, mesmo que 90% dos
eleitores numa cidade votem branco ou nulo para prefeito, o resultado da
eleição será definido considerando apenas os 10% de votos de fato depositados
em nome de algum dos candidatos.
Qual a origem dessa lenda?
A provável origem deste boato é uma interpretação errada do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965). O artigo 224 diz que serão realizadas novas eleições “se a nulidade atingir mais de metade dos votos”. Acontece que o termo nulidade não se refere aos votos nulos, e sim aos votos válidos que sejam posteriormente anulados por decisão da Justiça Eleitoral.
A única maneira de cancelar uma
eleição e impedir um candidato de concorrer nela é se for constatada uma fraude
eleitoral. O TSE detalhou a questão em uma série chamada "Mitos
Eleitorais", publicada em junho deste ano.
"A nulidade a que se
refere o Código Eleitoral decorre da constatação de fraude nas eleições, como,
por exemplo, eventual cassação de candidato eleito condenado por compra de
votos", explica o órgão. "Nesse caso, se o candidato cassado obteve
mais da metade dos votos, será necessária a realização de novas eleições,
denominadas suplementares."
Embora a corrente de WhatsApp
diga que os candidatos "não poderiam concorrer ao mesmo cargo político,
pelo menos por mais quatro anos", isso só poderia acontecer com o
postulante de que fosse comprovada fraude eleitoral e se ele tivesse seu
mandato cassado pelo Poder Legislativo. O TSE explica que "de maneira
nenhuma" esta medida se aplicaria a todos os candidatos de uma mesma
eleição.
Falta de confiança nas instituições
Para o professor Antonio
Lavareda, doutor em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro, o desejo por novos candidatos e eleições tem como
consequência uma "crise de confiança generalizada nas instituições
brasileiras".
O
quadro piora quando se fala do meio político. De acordo com o Datafolha, apenas 2% dos brasileiros
confiam em partidos políticos. "Eles são os alvos mais
enfatizados", afirma ele. "Embora a confiança em outras instituições,
como o Judiciário, também não seja alta."
Pesquisador
do comportamento eleitoral, Lavareda salienta que também há um exagero na
imagem de que o brasileiro não queira mais participar das eleições. "Se o
repúdio fosse tão grande assim, o último Ibope não mostraria a porcentagem de
alienação eleitoral [votos em branco somados ao nulos]
em, no máximo, 28%, que é a mesma taxa da eleição de 2014", afirma o
especialista.
"Nós vemos atualmente uma
descrença na forma como operamos a democracia, mas, no Brasil, ainda há uma
nítida maioria que vê a democracia como a melhor forma de governo
possível", conclui Lavareda.
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