Igrejas e Impostos, Fé e Estado



Dalvit Greiner de Paula

Grande parte dos recursos do Império brasileiro foram embora quando proclamaram a República e separou-se o Estado da Igreja. Era o dízimo que as pessoas pagavam pelos serviços religiosos. Os padres tinham salários que eram complementados com outras rendas: com aulas, no parlamento, comércio e contrabando e toda a sorte de atividades lícitas e ilícitas que se tem notícia. A coisa continuou, porém com a separação o dízimo ficou com a Igreja e o Estado com os impostos. Mas, como o Brasil não mudou muita coisa com a República, apenas na constituinte de 1946 que o deputado baiano, ateu e comunista Jorge Amado, nosso amado escritor, cravou, em nome da liberdade religiosa, que o Estado não devia cobrar impostos das Igrejas e etc.

Em um Estado laico, não é possível concordar com nenhum tipo de ingerência – nem positiva, nem negativa – numa Igreja de qualquer religião ou denominação religiosa. De fato, acredito eu,qualquer ingerência vai contra a liberdade do cidadão. Porém, as associações religiosas, sejam igrejas ou seitas ou simples ajuntamento para a profissão de uma fé são expressões da liberdade de opinião, geralmente diferente da opinião do príncipe (que antes representava o Estado). Por isso, deve o Estado garantir a sua existência, mas nunca a sua manutenção, pois atende apenas uma parte da sociedade. Um grupo religioso, enquanto expressão da liberdade de expressão, vai além de um partido político ou um jornal. Justamente porque seu objetivo não é temporal (ou não deveria ser) mas, espiritual, de outro mundo. E aqui a palavra além tem forte conotação espiritual: não ser deste mundo. Partidos políticos e jornais, enquanto instrumentos da liberdade de expressão existem para criticar o governo com os objetivos, primeiro de chegar ao poder e segundo de melhorar o poder. Não são estes os objetivos de nenhuma religião: se assim o for, não é religião, mas partido político.

O fiel é o cidadão? Sim e, portanto, o seu bem-estar vem tanto da associação religiosa ao qual pertence quanto do Estado onde vive. Porém, cada um na sua esfera. Os serviços religiosos devem ser pagos para que o ministro da igreja seja mantido com saúde suficiente para liderar o seu rebanho. Porém, ele o faz se valendo de direitos do cidadão: saúde, educação, segurança e, por fim, aposentadoria. Não é a sua igreja que lhe garante tais direitos, mas o Estado. Na sua igualdade de cidadão, deve o ministro religioso e sua igreja participar com o que é devido e cobrado a todos: os impostos. O dízimo serve para a manutenção do templo e daqueles que cuidam da igreja. Mas, da mesma forma que cuida da manutenção do templo esperando que sobreviva bem e cumprindo as suas funções, aqueles cuidadores cansam e um dia precisam se aposentar. Quem vai garantir-lhes essa aposentadoria é o Estado. Por isso, a Igreja tem o dever de contribuir. Tira-se uma parte do dízimo de Deus e paga-se o imposto ao Estado: a Deus o que é de Deus, a César o que é de César.

Mas, o que vemos hoje no Brasil? Primeiro, devemos acabar com essa ilusão que é a separação Estado-Igreja. Isso nunca existiu. Temos situações em que há menos Estado e mais Igreja, mais Estado e menos Igreja na disputa de seus fiéis cidadãos. Os mesmos são um só e acabaram por se tornar objeto de disputa. Tornaram-se objetos de disputa porque as igrejas não conseguiram perceber a sua função e querem trazer para si funções que são do Estado. Alegam as falhas do Estado quando resolvem atender as pessoas em suas necessidade de alimentação, cuidados com a saúde, velhice, etc. Disponibilizam-se em formas de ONG’s, OS’s, contratam pessoas criando relações de trabalho, investem o valor doado em escolas e outras formas lucrativas de rendimento. E querem retribuições do Estado. Querem, no fundo, um Estado teocrático, quando a mão de Deus torna-se uma mão visível.

A confusão maior que vem se dando no mundo moderno é a transferência de receitas do Estado, que o faz por meio dos impostos cobrados direta ou indiretamente de todos (em tese é isso), para grupos privados que em nome de Deus dizem aliviar as necessidades de algumas pessoas. Se esses grupos privados operam no mercado de caridades e lucram com isso – mesmo que parte de sua receita seja uma transferência do Estado, o que já considero ilegal e imoral – devem pagar imposto. Se dão lucro porque investem em escolas – que também é um dever do Estado -, devem pagar imposto. Se dão lucro porque operam no mercado financeiro, devem pagar imposto. Se operam meios de comunicação – que dão muito lucro e são concessões do Estado -, devem pagar imposto. O mesmo argumento que dizem que o Estado não foi feito para operar o mercado serve para as Igrejas. E se, a meu ver, o Estado deve corrigir o mercado, cabe às Igrejas apenas aliviar as dores e as angústias do mercado. É para isso que se vende perdão.

Às igrejas e associações religiosas cabem fazer a caridade com o dinheiro disposto pelos seus fiéis aos seus fiéis ou a quem quiser, nos limites das suas poses e desejos. Isso é filantropia. Ao Estado cabe realizar políticas públicas para todos, nos limites de sua arrecadação e dos planos de seu governo. Isso é política! A única confusão possível e aceitável é aquela de Pio XI, repetida por Paulo VI e Francisco: “a política é a melhor forma de fazer caridade”, pois atinge a todos.

Comentários